Editorial

Editorial Dra Maura e Dr Felix Hoette

Alinhavando Lembranças…

O ano?... 1970! Montar um consultório...num andar...de um prédio...em uma cidade grande...sem respaldo profissional, quer de familiares, quer de amigos ou conhecidos (não existiam dentistas em nosso círculo de vida)...Sim, começar a exercer a Ortodontia naquela época era uma Aventura! Um aparelho ortodôntico, de UM paciente, levava a bagatela de UM MÊS para ser montado! BANDAS em TODOS OS DENTES! As bandas, não eram pré-fabricadas! Vinham em rolos de lâminas, com espessuras diferentes para cada grupamento de dentes: mais grossas e duras para os molares, um pouco menos para os prés-molares, mais flexíveis para os caninos e mais ainda para os incisivos. A sequência de confecção era demorada: 1- Cortar comprimento de lâmina passível de ser pinçada por lingual; 2- Soldar as extremidades; 3- Recortar levemente as laterais para acomodar nas papilas interproximais; 4- Adaptar ao dente e pinçar com alicates próprios para molares e prés-molares, e outros alicates próprios para caninos e incisivos; 5- Soldar no limite pinçado; 6- Cortar a extensão da lâmina ; 7- Dobrar no limite da solda e soldar de novo; 8- Recortar os rebordos gengivais e interproximais, agora definidos; 9- Colocar de novo no dente, brunir e marcar altura para solda de bracket ou tubo; 10- Soldar o bracket ou tubo e recortar os excessos oclusais do brunimento; 11- Recolocar a banda no dente para os últimos brunimentos e conferência da altura de bracket ou tubo; 12- UFA! Enfim cimentar! Mas, uau, o cimento não era esse maravilhoso ionômero de vidro e sim o terrível e quebradiço oxifosfato! (tínhamos que importar também o cimento!!) Calculem o tempo para tudo isso! E quanto sofrimento para as separações! Quantas vezes!

As lâminas pré-contornadas (com alguma modelagem na vestibular) já eram melhores de usar. Podem imaginar como foi a alegria quando vieram as bandas pré-fabricadas? E depois ainda as pré-soldadas? Agora imaginem como era fazer diagnóstico do caso e ter que contar com o consumo de todo esse espaço demandado pela espessura das lâminas!! E... antes de tudo, era FAZER a documentação TODA do paciente. Os laboratórios só faziam as radiografias, o resto era por nossa conta. Preparar os modelos e poli-los era outra mão de obra que nos consumia mais ou menos 16 horas. Ou seja, trabalhávamos de dia e...de noite! Lembrando ainda que tínhamos que mandar BUSCAR sacos de 50 kg de gesso branco Mossoró no Rio Grande do Norte, pois aqui era difícil obtê-lo!

E passamos bons anos dentro da ditatura militar, quando comprar material estrangeiro era uma ousadia. Tínhamos então um contato em Recife que tinha parentes nos EUA e ia muitas vezes para lá, quando então conseguia nos trazer alguns materiais. Enviávamos dólares envolvidos em jornal, pelo correio, mas sem recibo e sem garantia de que estariam perdidos e de que receberíamos os materiais. Era comum termos que emprestar materiais entre nós para continuarmos a trabalhar. Lembramos bem quando fomos para a Tweed Foudation, que nos orientaram (lembra Tieo?) a levar alicates velhos, trazer novos, deixando lá os velhos. Sabe por que? Porque nos tempos do AI-5 (ditadura) não se saía sem declarar TUDO que se estava levando para o exterior. Foi uma lista enorme, mas valeu pois trouxemos muitos itens novos e deixamos os velhos lá!

A seguir, ficamos felizes com o surgimento das colagens diretas e com elas as telinhas para soldar na base dos brackets...que tristeza, que trabalho e que resultados!Graças a Deus logo vieram os brackets prontos para colagem. Enfim... a grande facilidade atual!!

Sim, o tratamento ortodôntico era caro! E caríssimo tinha sido o preço de nossa formação! Dois anos em tempo integral de segunda a sábado (sim, tínhamos aulas aos sábados), com todas as despesas por nossa conta, ou seja de nossos pais ou bolsas de estudos.

Mas somos gratos a essas dificuldades todas, pois foram elas que nos deram esses trilhos firmes pelos quais viajamos nossa jornada profissional com sucesso e satisfação. E quantos bons frutos colhemos! Quanta alegria e quanta realização! Muito boas lembranças temos desse tempo difícil! Tristeza, hoje porém , em ver que apesar de tantas e todas as facilidades atuais, estamos vivendo a banalização da especialidade através de razões de ganhos financeiros ou políticos. E o prejuízo é devastador, pois, infelizmente, não só a especialidade é denegrida com essa circunstância, como também a população é aquinhoada com uma qualidade duvidosa de atendimento.

Mas a esperança de que haja mudanças nunca perderemos, pois quando estamos na fase madura da vida, temos cada vez mais certeza de que estamos nesta jornada para servir e servir com qualidade. O Universo não desliga sua lei natural de causa e efeito, o que se semeia é o que se acaba colhendo. Portanto, sirva qualidade NA VIDA e receberá qualidade DE VIDA!! É a frase do Evangelho que sempre nos acompanhou: “A semeadura é opcional, mas a colheita é obrigatória’’.


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