Editorial

O ENSINO DA ORTODONTIA NO BRASIL: UM DESABAFO

O ensino da Ortodontia no Brasil, segundo a publicação de 2005, comemorativa dos 50 anos da Sociedade Brasileira de Ortodontia, teve sua primeira referência oficial no ano de 1856, quando o decreto no1764 versava, em seu artigo 81, sobre as matérias que o candidato a Dentista deveria dominar, para estar apto a receber o título de Dentista Aprovado na Faculdade de Medicina, constando, dentre elas, a Ortopedia Dentária. Passados tantos anos, cabe, aqui, refletirmos sobre os caminhos já percorridos e o que esperar daqui em diante. Tal reflexão, fatalmente, nos levará à constatação de um enorme número de atitudes indevidas dos profissionais, responsáveis pelo ensino de nossa tão maltratada especialidade, a Ortodontia.

Com o passar dos anos, o ideal de ensinar transformou-se no de lucrar, devido à ganância e ao enorme número de desmandos, cometidos pelas lideranças de plantão. Deixou-se de lado o objetivo principal que é ensinar, para priorizar o sucesso financeiro dos professores, se assim podem ser chamados. Criaram-se cursos preparatórios, obrigatórios em algumas instituições, para alunos interessados em se especializar em Ortodontia, cursos esses, devidamente cobrados, com a justificativa descabida de preparar o aluno para a Especialização e que ofertam conteúdos que, normalmente, são ministrados em Cursos que respeitam os princípios éticos e morais. Além disso, mais uma vez, pensando em se dar bem, esses profissionais criaram os cursos de aperfeiçoamento, com letra minúscula sim, e que tinham como característica, um menor tempo de duração, sem, contudo, fornecer ao aluno um certificado que o habilite a exercer a Ortodontia, legalmente, e, porque não dizer, decentemente. Como consequência dessa prática, antes da hora e da devida capacitação, os alunos iniciam a prática da especialidade, prejudicando e desrespeitando, certamente, os seus pacientes, seres humanos, que neles depositam confiança.

Voltando à Especialização, o que se tem visto atualmente, salvo, infelizmente, algumas entidades, hoje representantes da minoria, são cursos com instalações requintadas, onde os professores “fingem” que ensinam, enquanto os alunos, que aprendem. Tais cursos são ministrados sem respeitar as normas das entidades que os fiscalizam, tanto no cumprimento da carga horária, quanto no seu tempo de duração, além de não se aprofundarem no conteúdo necessário à formação de um especialista de qualidade. O que mais fazem é ofertar “novidades ortodônticas”, muitas delas sem a devida fundamentação científica, visando a atrair alunos com propagandas de técnicas revolucionárias e milagrosas. Se alguém acha que é exagero ou inverdade, comece a ler os e-mails que, frequentemente, inundam os nossos computadores, ofertando essas verdadeiras “arapucas”. O que nos preocupa é que os interessados em Cursos de Especialização, pela sua pouca experiência e a falta de critérios para avaliá-los, não têm o discernimento necessário, para optar por um curso que preze a formação de um ortodontista de verdade, deixando-se, então, levar por falsas promessas.

Como se não bastasse, vemos uma proliferação exagerada de Cursos de Especialização, fazendo com que ocorra uma diluição dos candidatos que por eles procuram, dificultando a sobrevivência dos mesmos, além de provocar uma invasão de profissionais no mercado, prejudicando, assim, de maneira indistinta, os especialistas em Ortodontia.

E daí? Diante de tantas atrocidades, o que esperar do ensino da nossa tão desrespeitada Ortodontia? Que atitudes poderiam ser tomadas para reverter esse quadro? Sinceramente, eu, professor de Ortodontia desde 1981, muitas vezes tenho me sentido com as mãos atadas diante de tantos abusos. Entretanto, dentro de minhas possibilidades, tenho lutado, assim como outros de boa índole, para manter viva a chama que me permita continuar ensinando a meus alunos uma Ortodontia baseada em fundamentos científicos, morais e, principalmente, éticos. Não está sendo fácil, pois temos sido acusados, logicamente “pelas costas”, de praticarmos uma Ortodontia antiga e ultrapassada. Além disso, temos que responder a questionamentos de candidatos ao curso, sobre a técnica utilizada, se ministramos este ou aquele conteúdo, invertendo, assim, os papéis, e mostrando o quanto eles têm sido influenciados por propagandas enganosas. O mais importante não é a técnica que se utilize, e sim, os resultados por ela obtidos, o que certamente está na dependência da formação e do bom senso do profissional que a executa. Não adianta colocarmos nas mãos de pessoas despreparadas, ferramentas que prometem maravilhas, se as mesmas não são capazes, nem tampouco, treinadas adequadamente para utilizá-las.

Em resumo, instalou-se o caos e tenho a convicção de que chegamos ao fundo do poço. Sempre que reflito sobre este assunto, me vem à mente o seguinte ditado: “escurece até a meia-noite e então começa a clarear”. Sinceramente, espero que estejamos próximos dessa transição. E nós, profissionais, preocupados com o futuro da especialidade, devemos estar imbuídos da responsabilidade de continuar ensinando Ortodontia, com a mesma seriedade e competência dos abnegados mestres responsáveis pela nossa formação. Precisamos perseverar sim, continuando o trabalho de “formiguinha”, mostrando aos que nos procuram e, principalmente, aos que nos dão ouvidos, o discernimento de optar pelo caminho que acreditamos ser o correto para a formação de um verdadeiro especialista em Ortodontia. Paralelamente, participarmos, sempre que convocados, procurando externar e defender os nossos pontos-de-vista, além de solicitar dos órgãos que regulamentam nossa especialidade, de maneira individual ou coletiva, atitudes que possam combater os desmandos que tanto assolam e envergonham a nossa especialidade.


Paulo Eduardo Baggio
Membro Efetivo do Grupo de Estudo Angle de Ortodontia


THE TEACHING OF ORTHODONTICS IN BRAZIL: AN OUTBURST

The teaching of Orthodontics in Brazil, according to a 2005 publication to celebrate the 50th anniversary of the Brazilian Society of Orthodontics, had its first official reference in 1856, when decree 1764, article 81 introduced the subjects that a prospective dentist should dominate to be grantedtheApproved Dentist Title by the Medical School, including Dental Orthopedics. After all these years, it is time to reflect upon the roads already trodden and what the future holds for this career.Such reflection will fatally lead us to a large number of undue attitudes from the areaprofessionals, responsible for teaching this highly underestimated specialty, Orthodontics.

As the years went by, the ideal of teaching turned into a profit-making profession due to greed and the large number of excesses committed by leaders from the area. The main objective, which is teaching, was forgotten to prioritize the financial success of these“so-called” teachers. Some expensive mandatory preparatory courses were created by some institutions for students interested in specializing in Orthodontics with the unconvincing excuse that they train students by offering subjects which are normally covered by courses based on moral and ethical principles. In addition, with the intent to take advantage of the situation, these professionals created specialization courses (purposely written in low-case letters), with less credit hours and no certificate qualifying these professionals to workas Orthodontistslegally and, to say the least, decently.Consequently,untimely and unprepared, students begin to practice this specialty thus damaging and disrespecting their patients, human beings who trust them.

Currently, with the exception of some institutions, what we see are specialization courses being offered in refined facilities where teachers “pretend” to teach and the students “pretend”to learn.Such courses do not comply with the norms established by regulatory bodies in regards to credit hours, duration as well as the content necessary to prepare a high quality specialist. What they offer is “orthodontics novelties”, many of them without any scientific basis, aiming to attract students by advertising miraculous and revolutionary techniques. If someone finds this an exaggeration or alie, I recommend the reading of e-mails frequently found in computers offering these real“traps”. What worries us is that those interested in taking Specialization Courses, due to their lack of experience and criteria to evaluate them, cannotchoose a course that cherishes the education of a true Orthodontist, being taken by false promises.

Moreover, we have witnessed an increasing proliferation of Specialization Courses which have diluted the number of candidates,making the survival of these courses difficult andpromoting an invasion of professionals in the market, affecting Orthodontics specialists indistinctly.

So the question is, with all these atrocities, what can we expect from the teaching of our highly disrespected Orthodontics?What attitudes could be taken to change this situation? Honestly, as an Orthodontics teacher since 1981, many times I felt discouraged before these abuses. However, within my capacity, I have fought, like many others of good faith, to maintain alive the spirit that helps me to continue teaching my students Orthodonticsbased on scientific, moral and mainly ethical foundations. It hasn’t been an easy task, since we are accused “behind our backs” of teaching an old and outdated Orthodontics. In addition, we have to answer the candidates’ questions on the technique adopted, the contents we teach, showing them how much they have been influenced bymisleading propaganda. The most important is not the technique used but the results obtained, which depends on the preparation and good sense of the professional using it. Tools that promise wonders in the hands of unprepared professionals are useless, provided that they are neither capable nor trained to use them adequately.

In a nutshell, the situation is chaotic and I’m convinced that we have hit bottom.Whenever I reflect on this subject, the following saying comes to my mind: “it gets dark until midnight, and then things start to clear up”.I do hope we’re very close to a solution so that professionals, concerned with the future of this specialty, may be imbued with the responsibility to continue teaching Orthodontics with the same seriousness and competence of those abnegated masters who were responsible for our education.We need to persevere on our hard and persistent work, developing in those who look for us and mainly in those who hear us, the capacity to choose the road we consider correct for the preparation of a true Orthodontics specialist, and, at the same time, participate, whenever invited, of discussions to support our points of view and request from the regulatory bodies, individually and collectively, attitudes against all themisdeeds that have afflicted and depreciated our specialty.

Paulo Eduardo Baggio
Effective Member of the Angle Orthodontics Study Group


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